Abissal
A descoberta de novas espécies em regiões profundas dos
oceanos mostra como a evolução age para determinar as
formas de todos os seres vivos. E também aumenta nossa
responsabilidade na preservação da saúde dos mares.
oceanos mostra como a evolução age para determinar as
formas de todos os seres vivos. E também aumenta nossa
responsabilidade na preservação da saúde dos mares.
(POLVO-DUMBO) As estruturas semelhantes a orelhas teriam sido, no passado, tentáculos, modificados pela evolução da espécie. Elas auxiliam o polvo a nadar para cima e para baixo. Ele pode ter até 1,5 metro de comprimento. Habita regiões entre 300 e 5 000 metros de profundidade.
Sempre que se aventuram nas profundezas abissais dos oceanos, em regiões onde a luz do sol não chega e a pressão esmagaria um ser da superfície, os biólogos costumam deparar com espécies desconhecidas. São peixes, polvos, lulas e águas-vivas que ao longo da evolução adquiriram aparência surpreendente ao se adaptar ao ambiente hostil em que vivem. Há hoje cinco submarinos, dois russos, um americano, um francês e um japonês, que fazem pesquisas em águas a mais de 3 000 metros de profundidade. A cada duas espécies que eles registram, uma era desconhecida da ciência. Uma coleção de 220 dessas descobertas recentes foi reunida num livro recém-lançado nos Estados Unidos, The Deep: The Extraordinary Creatures of the Abyss (As Profundezas: As Extraordinárias Criaturas do Abismo), da pesquisadora e produtora de filmes francesa Claire Nouvian. A maioria dos animais foi fotografada em seu ambiente natural por câmeras instaladas em submarinos tripulados ou em robôs mergulhadores, capazes de descer a até 6 000 metros. Outros foram fotografados no convés dos barcos após ser trazidos para a superfície em câmaras especiais que mantêm a pressão do fundo do mar. "Antigamente, imaginava-se que, quanto maior a profundidade, menos vida havia. Não é nada disso, "A diversidade é impressionante."
Como não há luz solar nas profundezas dos oceanos, a fonte da vida nesses locais são o calor e o gás metano liberados por fendas na crosta terrestre ou por vulcões submarinos. Esse ambiente propicia o nascimento de bactérias, que dão início a uma nova e ainda quase desconhecida cadeia alimentar. Essa fauna, que inclui desde microorganismos até tubarões de 8 metros de comprimento, é hoje uma das últimas fronteiras a ser exploradas pela ciência. "Sabemos mais sobre a Lua do que sobre as regiões profundas dos oceanos", comenta o oceanógrafo José Angel Alvarez Perez, pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina. O que já se sabe com certeza sobre a vida a mais de 3 000 metros de profundidade é que ela reproduz os parâmetros que regem todos os animais conhecidos. Embora esquisitos e até assustadores ao olhar dos humanos, os animais dos abismos oceânicos nada têm de original em sua constituição, o que confirma a descoberta do naturalista Charles Darwin de que todos os seres vivos possuem um ancestral comum.
(DISFARCE NATURAL)
Este tipo de água-viva tem de 1 000 a 2 000 pequenos tentáculos. Ela é transparente, mas uma membrana vermelha oculta seu sistema digestivo, despistando inimigos em busca do alimento que está em seu interior. Vive a 900 metros de profundidade.
As diferentes formas dos animais que povoam o planeta são resultado de dois processos: o desenvolvimento do embrião e a evolução desde seus ancestrais. A biologia evolutiva já descobriu que, apesar das grandes diferenças na aparência e na fisiologia, todos os animais complexos compartilham um "kit de ferramentas" comum, composto de genes reguladores, que determinam a formação dos organismos. Mas, se todos os seres têm um kit de ferramentas praticamente idêntico, por que não são também iguais na aparência? A resposta está na forma como esse kit é usado em cada animal. A construção das formas que vemos na natureza depende da ativação e da desativação de determinados genes em diferentes momentos e locais do embrião ao longo de seu desenvolvimento. Nos animais dos abismos oceânicos, guiado pelos mecanismos da evolução, o kit de ferramentas determina ao embrião que desenvolva as formas curiosas e assustadoras que se vêem nos animais adultos.
(OLHAR PERDIDO)
Esta espécie é conhecida como "lula de vidro". Possui órgãos luminosos dentro dos olhos esbugalhados. Ao contrair-se, transforma-se numa bola. É a presa favorita de muitos peixes e baleias. Habita regiões entre 1 600 e 2 400 metros de profundidade.
Esta espécie é conhecida como "lula de vidro". Possui órgãos luminosos dentro dos olhos esbugalhados. Ao contrair-se, transforma-se numa bola. É a presa favorita de muitos peixes e baleias. Habita regiões entre 1 600 e 2 400 metros de profundidade.
Embora haja muito mais espécies nas águas profundas do que se imaginava, a densidade populacional de cada uma delas é pequena em comparação com a de espécies que vivem próximo à superfície. Por isso mesmo, a evolução favoreceu os animais capazes de enfrentar escassez de alimentos e de parceiros sexuais. Os peixes machos da espécie Ceratias holboelli, quando encontram uma fêmea, grudam nela e sofrem uma metamorfose: suas atividades vitais adormecem e eles viram um parasita cujo único órgão ativo é o reservatório de sêmen. Uma forma de facilitar os encontros na escuridão é a bioluminescência. Esse fenômeno ocorre quando peixes, polvos e outros organismos emitem luz própria ou vivem em parceria com bactérias luminosas. As luzes atraem parceiros da mesma espécie. A bioluminescência também atua como isca para os peixes carnívoros atraírem suas presas. Algumas espécies possuem um tipo de vara com uma isca luminosa na ponta que fica a apenas alguns centímetros à frente da boca. Quando uma presa se aproxima, é imediatamente engolida.
O aspecto aterrorizador dos peixes carnívoros tem sua razão de ser. A boca é enorme para que, ao encontrarem suas presas, eles consigam capturar o maior número possível delas, já que o alimento é escasso. O estômago é amplo e elástico para armazenar grandes quantidades de comida pelo máximo de tempo, até que novas presas sejam encontradas. Algumas águas-vivas, embora transparentes, possuem uma membrana colorida que cobre o aparelho digestivo. Dessa forma, despistam o inimigo em busca do alimento que está em seu interior. Apesar do aspecto medonho, alguns peixes das profundezas são um ótimo petisco. Como o orange roughy, encontrado em profundidades entre 160 e 1 600 metros. Sua pesca, feita com extensas cordas com anzóis, começou há trinta anos, na Nova Zelândia. Depois, outros trinta locais passaram a ser explorados no Mediterrâneo e em regiões de vulcões submarinos. Em mais da metade deles, a quantidade de orange roughy fisgados caiu para menos de 30% do volume original. Isso se deve à baixa capacidade das populações de se reproduzirem. A diminuição dos cardumes de orange roughy chama atenção para o risco de destruição de um ecossistema quase totalmente desconhecido, onde 1,5 milhão de espécies, segundo se calcula, ainda aguardam no escuro para um dia ser catalogadas.
(PEIXE MONSTRO)A enorme boca do diabo-do-mar permite que, ao encontrar suas presas, ele capture o maior número possível delas, já que nem sempre é fácil conseguir alimentos em seu habitat. Os espinhos são sensores. Vive a até 3 400 metros de profundidade.
(A PEQUENA INCÓGNITA)Esta espécie ainda não foi identificada pelos biólogos. Sabe-se apenas que é um organismo que produz luz própria, algo freqüente entre os seres que vivem nas regiões abissais, aonde os raios de sol não chegam. Vive a 2 000 metros de profundidade. |
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